Perfil do consumidor da farmácia em 2022
Nos últimos anos temos assistido a momentos particularmente desafiantes para o setor das farmácias. Após uma época de instabilidade, fruto de modificações económicas e legais que afetaram o modelo tradicional da farmácia comunitária, fomos confrontados com uma pandemia, primeiro, e com uma guerra, agora, que, direta ou indiretamente, afetam a Sociedade no seu todo.
Tudo isto tem reflexos na atividade farmacêutica e obriga, inevitavelmente, a uma constante necessidade de adaptação e transformação do setor.
Aos fatores que referi anteriormente, há ainda que juntar todos os efeitos decorrentes de um processo de globalização mundial do consumo. O aparecimento de um novo consumidor, mais informado e ciente das suas necessidades, bem como de uma concorrência mais feroz, obriga a que a farmácia esteja, mais do que nunca, atenta às necessidades e expetativas dos clientes.
Portanto, se até março de 2020 as farmácias poderiam ainda ter dúvidas sobre a importância do marketing e da comunicação no âmbito do seu negócio, as alterações apontadas tornam ainda mais pertinente a aplicação de técnicas de marketing adaptáveis ao setor e que garantam uma comunicação eficaz com os clientes e potenciais-clientes.
Consumidor em 2022 – o que mudou?
A pandemia trouxe-nos uma nova realidade e um novo consumidor! Assistimos a mudanças radicais dos seus hábitos e das suas necessidades. E, se é certo que, com a chegada da tão esperada normalidade, se vai recuperar algum do nosso estilo de vida anterior, há hábitos de consumo que surgiram no período pandémico que se irão manter.
Desde já, todos reconhecemos que nos últimos dois anos os consumidores passaram a depender da internet para descobrir serviços e produtos que satisfizessem as suas necessidades durante os períodos de confinamento. E, obviamente, os produtos e serviços de saúde e bem-estar não são uma exceção!
Pesquisa online: informação sobre saúde
Se iniciarmos a análise por alguns dados de anos pré-pandémicos, verificamos que já há algum tempo muitos dos consumidores indicavam que, face a necessidades relacionadas com a sua saúde, o primeiro lugar onde pesquisavam informação era a internet. De acordo com um artigo de Jacobs et al., publicado em 2017, a informação obtida na web era já massivamente utilizada por muitos dos cidadãos americanos para selecionar o médico, o hospital ou mesmo o tratamento1. Ou seja, a pesquisa online já tinha nessa altura superado a influência conseguida através dos meios de comunicação tradicionais ou das pessoas de referência (familiares, amigos e profissionais de saúde). Um outro estudo publicado em 2019 concluiu que 76,9% dos polacos inquiridos utilizaram a internet para fins de saúde2. Um questionário efetuado online a portugueses pela Pplware, em 2019, indicou que 63% dos participantes, quando necessitavam de algo sobre saúde, pesquisavam primeiro na internet em vez de recorrer a especialistas3.
Se analisarmos dados mais recentes, como os fornecidos pelo Gabinete de Estatística da União Europeia (EUROSTAT), nos últimos anos tem sido crescente o papel da internet como fonte de informação sobre saúde4. De acordo com esta fonte, em 2021, cerca de 53% dos indivíduos portugueses com idade entre 16 e 74 anos informaram terem utilizado a internet para procurar informações sobre saúde. Outros dados disponíveis no Digital 2022 Global Overview, referentes ao mesmo ano, indicam que mais de 50% dos portugueses utilizadores de internet dos 16 aos 64 anos usaram a web para pesquisa de informações sobre saúde e/ou produtos de saúde5.
Recentemente, um estudo publicado no Journal of Medical Internet Research, em que os autores investigaram como os jovens adultos interagem com diferentes plataformas de redes sociais, a maioria dos participantes afirmou obter informações de saúde através das redes sociais6. Estes jovens referiram que nas redes sociais leem/veem conteúdos relacionados com a saúde, através de posts de amigos, fontes noticiosas ou anúncios. Alguns dos inquiridos indicaram procurar ativamente algumas páginas específicas, grupos ou influenciadores para se informarem sobre saúde e se inspirarem relativamente a estilos de vida mais saudáveis.
Compra online de produtos de saúde e bem-estar
Nos últimos anos, para além das mudanças relativas à forma como se obtém informação, tivemos também uma evolução abrupta do comércio online. Atualmente, de acordo com o estudo da multinacional in-Store Media, 7 em cada 10 portugueses já compram online, várias vezes por mês, versus 4 em 10 antes da pandemia7. E, estes números devem-se em grande parte às compras efetuadas pela geração dos Baby Boomers (maiores de 55 anos), uma geração particularmente importante para as farmácias. Segundo a Euromonitor, este grupo que designaram de “Idosos Digitais” está agora familiarizado e confortável com a tecnologia, tendo autonomia para fazer compras e utilizar serviços através do digital8.
Se analisarmos dados constantes de diversos relatórios, concluímos que houve crescimento do e-commerce em 2021 na generalidade das categorias, tendo sido o aumento em média de 15% por categoria. No passado ano, 44% dos portugueses compraram online produtos da categoria “higiene e cosmética” e cerca de 20% adquiriram suplementos alimentares, produtos farmacêuticos e afins.
Logo, como consequência do contínuo crescimento do e-commerce que se tem verificado nestes últimos anos, os pequenos empresários tiveram e têm necessidade de acelerar a transição para o online. Como sabemos, algumas farmácias são exemplo disso mesmo! Na verdade, a comodidade de fazer as compras sentado no sofá ou na secretária passou a ser muito valorizada pelo cliente atual.
De acordo com o CTT e-Commerce Report 2021, a facilidade de compra e o facto de poder ser feita a qualquer hora são duas importantes motivações para a adesão ao comércio eletrónico. Por outro lado, a possibilidade de comparar produtos e preços e a entrega cada vez mais rápida fazem com que muitos consumidores tenham a web como um aliado na sua jornada de compra9.
Perfil do consumidor atual – o que valoriza o consumidor
Além das modificações já indicadas anteriormente, o perfil atual do consumidor pós- pandemia apresenta ainda outras características a que devemos estar particularmente atentos. Muitos dos que foram afetados com a redução dos seus rendimentos passaram, obviamente, a valorizar o preço baixo e o consumo de marcas “brancas” para conseguirem uma melhor gestão orçamental. Economizar é uma tendência!
Por outro lado, temos cada vez mais consumidores que investem na qualidade, na exclusividade e na personalização, selecionando produtos e serviços de valor acrescentado e de marcas que respeitem os seus valores. E algumas das suas convicções estão associadas a preocupações de ordem social e ambiental. De acordo com especialistas na análise do consumidor, o ativismo verde e os estilos de vida baseados no baixo teor de carbono vieram para ficar8. Estes novos consumidores fazem escolhas mais sustentáveis. Além disso, exigem ação e transparência das marcas. Em consonância com estas preocupações, valorizam marcas com programas de reciclagem, aluguer ou revenda de produtos em “segunda mão”.
Outra das características do novo consumidor é o facto de ser hoje mais experiente e rigoroso e ter maior preocupação na gestão do seu tempo. Ou seja, o atual consumidor, apesar de ter acesso a cada vez mais informação e a mais alternativas para solucionar as suas necessidades e desejos, tem cada vez menor disponibilidade de tempo para a tomada de decisão. Logo, as empresas que comunicarem com ele os benefícios dos seus produtos e/ou serviços, nos canais certos e de forma assertiva vão certamente ser as escolhidas para aquisição dos mesmos.
Um dado adicional importante, referido em algumas análises do comportamento de consumidor, é a existência de uma elevada percentagem de consumidores para quem a experiência de compra é fator de elevada importância. Estes revelam estar mesmo dispostos a pagar mais por um produto ou serviço se isso significar uma excelente experiência10.
Em suma, estamos hoje perante um novo cliente que é, fundamentalmente, fruto das mudanças sociais e económicas ocorridas nos últimos anos e do desenvolvimento tecnológico. Este tem um comportamento de decisão e de compra distinto do passado, iniciando muitas vezes a sua jornada de compra através da pesquisa nos motores de busca5. Mas, é importante ressalvar que, apesar de tudo, muitos continuarão a preferir terminar a sua jornada num ponto de venda físico, mesmo que a sua pesquisa se tenha iniciado online.
Evolução do setor farmacêutico – do foco no produto até ao serviço especializado
A prática farmacêutica comunitária evoluiu e tem de continuar a evoluir. A exigência do novo consumidor, a existência de importantes players concorrentes nacionais e internacionais e o crescimento do comércio eletrónico trazem à farmácia tradicional exigentes desafios.
Todos concordamos que não poderemos manter a farmácia comunitária apenas como local onde os utentes, pela conveniência e acessibilidade, adquirirem medicamentos ou outros produtos de saúde, certo? A farmácia atual não pode continuar apenas focada na dispensa do medicamento. Urge expandir a relação farmacêutico-doente. Logo, a equipa da farmácia tem de se envolver na prestação de serviços especializados que assegurem a prevenção da doença e a melhoria da saúde e do bem-estar da sua comunidade. Assim sendo, para se manterem competitivas, há que inovar mas também investir na comunicação para atrair novos consumidores e reter os atuais.
Portanto, para além de uma boa seleção de produtos que respondam às exigências dos consumidores atuais, as farmácias têm de disponibilizar um maior número de serviços complementares diferenciadores. E tudo isto, obviamente, não descurando um aconselhamento altamente personalizado e especializado aos seus utentes.
Além disso, terá de se proporcionar a possibilidade da aquisição de produtos e marcação de serviços através dos múltiplos canais, que deverão estar integrados – aquilo a que chamamos estratégia omnicanal. Por exemplo, tem de passar a ser comum o cliente proceder à marcação online de um serviço que vai usufruir no local físico. Na realidade, só com uma boa estratégia de marketing e com comunicação integrada se irá superar as expetativas do cliente possibilitando uma experiência única e diferenciadora.
Referências:
- Jacobs W, et al. Health information seeking in the digital age: An analysis of health information seeking behavior among US adults. Cogent Social Sciences. 2017;3:1,DOI: 1080/23311886.2017.1302785.
- Fedak B, et al. The Internet as a Source of Health Information and Services. In: Pokorski, M. (eds) Advancements and Innovations in Health Sciences. Advances in Experimental Medicine and Biology. 2019;vol. 1211. Springer, Cham. https://doi.org/10.1007/5584_2019_396.
- 63% pesquisa primeiro na Internet sobre saúde, em vez de recorrer a especialistas (2019). Disponível em: https://bit.ly/3D6yRDy. Consultado em 12/03/2022.
- Individuals using the internet for seeking health-related information (2022) – https://bit.ly/3L1Z6Om. Consultado em 19/03/2022.
- DIGITAL 2022: PORTUGAL. Disponível em: https://bit.ly/3L3PHWA. Consultado em 12 de março de 2022.
- Lim M, et al. Young Adults’ Use of Different Social Media Platforms for Health Information: Insights From Web-Based Conversations. J Med Internet Res. 2022;24(1):e23656. Disponível em: https://bit.ly/36ggqAH.
- Portugueses optam cada vez mais pelo online mas loja física ainda é a primeira escolha (2022). Disponível em: https://bit.ly/3N7rK2q. Consultado em 19/03/2022.
- Euromonitor revela as 10 principais tendências globais de consumo 2022 (2022). Disponível em: https://bit.ly/3JBab8K.Consultado em 12/032022.
- E-Commerce cresce 46% em 2020 para 4,4 mil milhões de euros (2021). Disponível em: https://bit.ly/354R73L. Consultado em 12/03/2022.
- State of the Connected Customer (2018). Disponível em: https://sforce.co/3wvo0SH. Consultado em 12/03/2022.