Estilo de vida mais saudável: como podem as farmácias ajudar?
A proximidade entre as farmácias e a comunidade faz com que estas sejam um espaço de primeira linha na promoção da saúde. Na opinião de Rosália Páscoa, presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina do Estilo de Vida, esta realidade pode ser uma mais-valia no incentivo à adoção de estilos de vida mais saudáveis.
Em entrevista à Follow Pharma School, a médica de família comenta o papel dos profissionais de farmácia neste contexto, bem como a importância de sinergias entre estes e a Medicina Geral e Familiar.
O que é a Medicina do Estilo de Vida? E um estilo de vida saudável?
A Medicina do Estilo de Vida pode ser definida como o uso terapêutico de intervenções, baseadas em evidência científica, dirigidas aos hábitos e comportamentos das pessoas, com o intuito de tratar, prevenir e mesmo reverter doenças relacionadas com o estilo de vida. Caracteristicamente, nesta abordagem, os utentes são envolvidos como parceiros ativos no tratamento: o profissional de saúde educa, guia e ajuda o utente a adotar comportamentos salutares que têm impacto nas causas subjacentes das doenças, e, sempre que necessário, em complemento com os medicamentos recomendados para o tratamento dessas doenças.
Um estilo de vida saudável é o resultado de um conjunto de situações/opções relacionadas com os nossos hábitos e comportamentos, que contribuem para estarmos mais saudáveis. O estilo de vida saudável assenta em 6 pilares essenciais de atuação, nomeadamente: alimentação saudável, atividade física regular, boa saúde do sono, adequadas relações sociais, evicção da exposição a substâncias nocivas e uma boa gestão de stress. Quando conseguimos um bom equilíbrio entre estes fatores, temos um estilo de vida saudável.
Quais os maiores desafios em adotar um estilo de vida saudável?
Todos os pilares são desafiantes e estão inter-relacionados entre si. No entanto, nas minhas consultas de Medicina Geral e Familiar, a alimentação é uma das questões mais abordadas, especialmente no que se refere à perda de peso. As pessoas procuram, muitas vezes, um “comprimido mágico” que as possa ajudar, mas isso não existe. O consumo de tabaco e/ou de álcool também costuma ser alvo de comentário em consulta, mas o peso corporal é o tema mais transversal.
A pandemia teve um impacto negativo neste contexto?
Sim, as pessoas comentam muitas vezes que aumentaram de peso nessa fase. Isto porque passaram mais tempo em casa, alteraram o que comiam, em muitos casos, e deixaram de praticar uma atividade física tão regular. E queixam-se por ainda não terem conseguido retomar o padrão habitual. Além disso, quantos mais quilos extra, mais exigente e desafiante se torna a perda de peso.
Por outro lado, devido às circunstâncias, as pessoas isolaram-se mais, muitas passaram por momentos menos felizes, o que levou a um aumento de stress, noites mal dormidas, maior consumo de substâncias como o álcool e o tabaco, inclusive como escape… A pandemia teve um impacto claro na saúde mental. Aliás, quando se fala em relações sociais, tem que ver também com isso. Ou seja, termos relações que nos possam sustentar a saúde mental, sermos capazes de interagir saudavelmente com os outros, não nos isolarmos, diminuir o risco de ansiedade e conseguirmos gerir o stress de forma saudável. Há imensas situações no dia a dia que causam stress, mas temos de saber geri-lo para que não se torne prejudicial à nossa saúde e bem-estar.
Qual é o papel dos profissionais de farmácia na promoção de estilos de vida mais saudáveis?
As farmácias comunitárias são, muitas vezes, o primeiro local a que as pessoas recorrem quando alguma coisa não está bem. Até porque na maioria dos casos têm uma maior proximidade com estes profissionais de saúde, por atuarem nas suas zonas de residência, com quem estreitaram relações de confiança ao longo dos anos. Esse contexto permite até a realização de “consultas” ao balcão, em que, no momento de atendimento ao utente, aproveitam para transmitir informação relevante e personalizada.
Os profissionais de farmácia podem, e devem, destacar os 6 pilares de um estilo de vida saudável, promovendo a literacia em saúde e personalizando a informação de acordo com a pessoa que têm à sua frente, o que pode ter um importante impacto na sua saúde.
A par disso, os profissionais de farmácia devem ver nos médicos aliados para dar continuidade e apoio a esses utentes. Mas acredito que as farmácias podem ser um ponto primordial para as pessoas receberem as primeiras recomendações e orientações para alterarem o seu estilo de vida.
Cada vez mais farmácias disponibilizam consultas em várias áreas, como nutrição, entre outras. Na sua perspetiva, isto faz sentido?
Sim, faz sentido disponibilizarem todo o tipo de consultas com profissionais devidamente formados e credenciados nas respetivas áreas. Até seria uma mais-valia que a informação colhida nessas consultas chegasse aos médicos de família, para conseguirmos enquadrar tudo o que cada pessoa necessita. É muito importante trabalharmos em sinergia – profissionais de farmácia e médicos de família – para potenciarmos os recursos. Se a pessoa prefere ir à nutricionista que trabalha na sua farmácia de eleição, por exemplo, então não há necessidade de duplicarmos essa consulta noutro local e reiniciar o processo. Precisamos de uma orientação concertada entre os diferentes players – médicos, farmacêuticos e outros profissionais de saúde, bem como escolas e outras entidades, inclusive a Tutela. O estilo de vida só pode realmente mudar desta forma conjugada.
Existem produtos à venda em farmácia, sem necessidade de prescrição médica, para ajudar em alguns pilares, caso do sono ou da alimentação, entre outros. Qual a sua opinião?
Ao trabalhar na Medicina do Estilo de Vida, acredito que devemos apostar noutro tipo de estratégias antes de recorrer a medicação ou suplementação. A título de exemplo, quanto à higiene do sono: dormir 7 a 8 horas por noite, não estar exposto a ecrãs nas últimas horas do dia, evitar álcool e café ao final do dia, por serem substâncias ativadoras, entre outras medidas. No que respeita à alimentação, as pessoas procuram drenantes e outros suplementos para ajudar na perda de peso, mas é preciso alertar para o facto de que o importante é mudar comportamentos. Não há um medicamento ou algo milagroso que possa resolver a questão.
No âmbito do estilo de vida, talvez a cessação tabágica seja a área em que os profissionais de farmácia conseguem aconselhar fármacos de venda livre de forma mais imediata. No entanto, aqui também seria importante trabalhar a mudança de comportamento. Porque algumas pessoas, não raras vezes, acabam por desacreditar esses fármacos, pois a fase em que os utilizaram não era a adequada para avançarem para o seu uso. Enquanto a pessoa não estiver na fase de ação para mudar o comportamento, é difícil ser bem-sucedido. Daí também ser importante um bom seguimento dos utentes, seja nesta ou noutra área, de mudança de estilo de vida.
Em relação aos suplementos, há muitas vezes dificuldade em aconselhar por falta de evidência científica.
Há uma lacuna em termos de evidência científica no que respeita à suplementação?
Sim, tudo que é comercializado deveria ter sempre como base a máxima evidência científica. Embora já existam alguns estudos, a quantidade e qualidade daqueles que suportam um suplemento em relação aos de um fármaco, por exemplo, para o colesterol ou para a hipertensão, não é comparável.
E isso muda a nossa força de recomendação e a nossa capacidade de assumirmos que X ou Y pode efetivamente levar àquele determinado efeito.
Gostaria de deixar alguma mensagem para os profissionais de farmácia?
Os profissionais de farmácia trabalham, no meu ponto de vista, numa área muito privilegiada. Enquanto médica de família, por vezes, contacto diretamente com eles quando há dúvidas, por exemplo, quanto ao fornecimento de medicamentos e a formulações. Aproveito para salientar que fazemos parte da mesma equipa naquilo que são as respostas às pessoas da comunidade.
Todos os profissionais das farmácias devem ver nos médicos de família aliados, para trabalharmos em conjunto em prol da saúde da população. É só assim que faz sentido.