Como avaliar a dor no doente idoso?

Descubra as perguntas que pode fazer a um idoso para perceber a intensidade da dor que sente e como tratá-la.

A dor é frequentemente desvalorizada e considerada normal nos idosos. Uma ideia profundamente errada, na opinião do Dr. Raul Marques Pereira, coordenador do Grupo de Estudos de Dor da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF): “Não há motivo para que o idoso viva com dor, da mesma forma que não achamos inevitável que, hoje em dia, o parto ou uma cirurgia sejam feitos com dor.”

Ainda assim, a dor crónica moderada a intensa é um sintoma comum entre as pessoas idosas. De acordo com dados da Sociedade Americana de Geriatria, este problema afeta 50% dos idosos que vivem na comunidade e 83% daqueles que estão institucionalizados em lares, traduzindo-se num impacto significativo na sua qualidade de vida1. “A dor no idoso é um problema gravíssimo de saúde pública”, sublinha Raul Marques Pereira.

O impacto da dor é aumento pelo facto de ela se traduzir num conjunto de outros problemas2:

  • Alterações do sono;
  • Redução das funções cognitivas;
  • Delírio;
  • Alterações da marcha;
  • Síndrome de imobilidade;
  • Diminuição do apetite;
  • Ansiedade;
  • Depressão;
  • Diminuição da socialização;
  • Redução da capacidade funcional.

A estes aspetos junta-se o maior consumo de serviços, a subida dos custos em saúde e o aumento do risco de polimedicação e de interações medicamentosas.

Tal como o especialista em Medicina Geral Familiar explica no Curso de Avaliação de Dor em contexto de Farmácia da Follow Pharma School, os farmacêuticos desempenham um papel muito importante na abordagem dos doentes com dor, e em particular dos idosos. Dada a sua proximidade com os doentes, estão, muitas vezes, numa posição ímpar para “identificar as principais comorbilidades médicas, psicológicas e sociais que podem contribuir para a dor e ter impacto na resposta ao tratamento”. Por outro lado, são essenciais para prevenir eventuais interações medicamentosas, uma vez que, frequentemente, há vários médicos a prescrever terapêutica ao mesmo doente.

Segundo Raul Marques Pereira, a avaliação da dor no idoso deve ter em conta alguns aspetos particulares, como a possível presença de défices sensoriais, nomeadamente de visão e/ou audição. A existência de alterações cognitivas também pode interferir na correta avaliação da dor, bem como o medo de dependência dos fármacos e eventuais crenças em relação à dor. “É muito comum a ideia de que o sofrimento é necessário – e estas crenças não são fáceis de ultrapassar”, sublinha o especialista. Todos estes fatores podem levar a uma desvalorização da gravidade da dor, pelo que importa saber o que perguntar ao idoso de modo a melhor poder medir a sua dor.

Perguntas a fazer para avaliar a dor no idoso

  • Quão forte é a sua dor (agora e, em média, na semana anterior)?
  • Em quantos dias da semana anterior não conseguiu fazer o que gostaria devido à dor?
  • Na semana passada, com que frequência a dor interferiu na sua capacidade de cuidar de si (tomar banho, comer, vestir-se, ir à casa de banho)?
  • Na semana passada, com que frequência a dor interferiu na sua capacidade de realizar tarefas domésticas (fazer compras, preparar refeições, pagar contas e conduzir)?
  • Com que frequência participa em atividades prazerosas (hobbies, socialização com amigos, viagens) e como interferiu a dor nessas atividades?
  • Com que frequência pratica exercício e como interferiu a dor na sua capacidade de se exercitar?
  • A dor interfere:

                                    – Na sua capacidade de pensar com clareza?

                                    – No seu apetite? Perdeu peso?

                                    – No seu sono? Quantas vezes, na semana passada?

                                    – Na sua energia, humor, personalidade ou relacionamento com outras pessoas?

  • Na última semana, com que frequência tomou analgésicos?
  • Como classificaria a sua saúde neste momento (excelente, boa, regular, má ou péssima)?

Algumas destas perguntas podem ajudar a avaliar a dor no idoso e a perceber se é necessária alguma mudança de terapêutica. Nesse sentido, o profissional de saúde pode também recorrer a uma escala unidimensional, seja visual analógica, numérica, qualitativa ou de faces. “Estas escalas são parecidas. O importante é que, na próxima visita do doente, usemos a mesma escala, para podermos registar a evolução”, sublinha Raul Marques Pereira.

Escalas unidimensionais para avaliação da intensidade da dor

No caso dos idosos, pode ser particularmente útil recorrer a uma escala multidimensional, como o BPI (Brief Pain Inventory) ou a HADS (Hospital Anxiety and Depression Scale). Já para classificar o tipo de dor, a escala mais simples e rápida é, na opinião do coordenador do Grupo de Estudos de Dor da APMGF, a DN4 (Douleur Neuropathique 4).

Como avaliar a dor quando o idoso não consegue comunicar?

Quando o doente não é capaz de falar, a avaliação da dor torna-se particularmente complexa. Nestas situações, a relação pessoal entre o cuidador, o doente e a farmácia torna-se ainda mais importante, sendo fundamental reavaliar assiduamente o sucesso da estratégia terapêutica. Nestas situações, a Sociedade Americana de Geriatria aconselha a integração de 6 domínios comportamentais na avaliação1:

  • Expressão facial;
  • Verbalizações/vocalizações;
  • Movimentos corporais;
  • Alterações nas relações interpessoais;
  • Alterações na rotina do dia a dia;
  • Alterações do estado mental.

No caso dos doentes com demência avançada, estão também disponíveis várias escalas, entre as quais Raul Marques Pereira destaca o PAINAD (Pain Assessment in Advanced Dementia) e a NVPS-R (Adult Nonverbal Pain Scale – revised).

O especialista em Medicina Geral e Familiar lembra que é frequente os cuidadores procurarem mais ajuda na sua farmácia do que junto dos médicos. Por isso, “é muito importante que o farmacêutico considere não apenas as condições subjacentes à dor, mas também as comorbilidades do doente, salvaguardando assim o risco de interações medicamentosas, interações do fármaco com as patologias de base e reações adversas, bem como os fatores físicos, psicossociais e económicos do doente”.

Referências:

1 – AGS Panel on Persistent Pain in Older Persons. The management of persistent pain in older persons. J Am Geriatr Soc. 2002;50(6):205-24. Disponível em: https://bit.ly/3IZrsc2.

2 – Norma DGS 015/2010. Orientações técnicas sobre o controlo da dor crónica na pessoa idosa. Disponível em: https://bit.ly/3s5Vepw. Consultado em 14/12/2021.

3 – Azevedo LF, et al. Tradução, adaptação cultural e estudo multicêntrico de validação de instrumentos para rastreio e avaliação da dor crónica. Dor. 2007;15(4):6-56. Disponível em: https://bit.ly/3yruS24.

4 – Direção-Geral da Saúde. A Dor como 5º sinal vital. Registo sistemático da intensidade da Dor. Circular normativa n.º 09//DGCG. 14/06/2003. Disponível em: https://bit.ly/3m3Ym1d.

//Artigo por Luís Garcia

Content manager na Phormula

Março 2022

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